Pensei por vários dias antes começar a escrever sobre minha
jornada até aqui. É realmente difícil sintetizar tudo, até chegar ao dia em que
finalmente me tornei uma policial federal, fazendo o que nasci pra fazer. De
qualquer forma, vou tentar. Meu nome é Karoline, nome de guerra, França. Eu
tenho 32 anos e, embora tenha tomado posse no cargo de agente de polícia
federal no dia 08/01/2016, essa jornada começou há muito tempo. Creio que
convém relatar alguns fatos de minha vida que, pela sua importância,
contribuíram e influenciaram para eu estar onde estou.
Minha mãe teve que me criar sozinha. Quando eu tinha quase
dois anos, um carro a atropelou no gramado de casa, mudando nossas vidas para
sempre. Durante muitos anos ela sofreu, de hospital em hospital, médico em
médico, trocando várias vezes próteses no quadril por conta do atropelamento.
Hoje, graças ao bom Deus e depois de tanto sofrimento, ela está tão bem que
teima em subir no telhado para consertar alguma coisa. Passamos juntas por
muitas restrições - ela certamente muito mais - contudo, não deixou que nada me
faltasse. Certo dia minha avó me contou que minha mãe fazia questão de
trabalhar aos sábados, quando possível, pois aos sábados ela ganhava marmita no
trabalho. Mesmo com todas as dificuldades, minha mãe fez questão de, com muito
sacrifício, me matricular no melhor curso de inglês da cidade. Embora à época
eu odiasse (pela quantidade de gente "esnobe" que lá havia), isso
mais tarde me proporcionou grandes oportunidades.
Eu dei muito trabalho à minha mãe, mas também muitas
alegrias. Tivemos fases péssimas e fases incríveis, como qualquer família.
Minha mãe queria que eu somente estudasse, mas eu queria
trabalhar, comecei aos 14 anos, como atendente de lanchonete. Graças a Deus,
esse primeiro trabalho durou pouco. A quantidade de trabalho era digna de um
burro de carga. Acabei aprendendo que, após começarmos a trabalhar, não podemos
mais voltar a ser só estudante. Arrumei então um estágio, e depois passei a
trabalhar como atendente de call center. Em 2003 iniciei a faculdade, no curso
de sistemas de informação (em uma faculdade pequena, que já nem existe mais).
Com a faculdade e o curso de inglês, surgiu a oportunidade de um estágio em um
banco multinacional. Foi o maior salário da história da minha família, R$
1094,00 (O primeiro tinha sido de R$ 94,00).
A vida tinha melhorado muito, mas em 2009 eu descobri a
Polícia Federal. Me apaixonei. Fiz cursinhos, fiz a prova da PRF e PF em 2009,
fiz em 2012, fiz administrativo da PF. Fiz muitas provas, não passei em
nenhuma.
Paralelamente aos fracassos nos concursos, tive um
relacionamento que acabou muito mal, em 2010. Para resumir, eu perdi um
apartamento, que tinha comprado há menos de um ano, perdi um carro novo, e pra
finalizar, perdi o emprego. Voltei a morar com minha mãe.
O mercado de trabalho estava péssimo. Gastei o restante de
meus recursos em cursinhos, mas não tive êxito em nenhum concurso. Cheguei em
uma situação crítica, então passei a aceitar trabalhar com qualquer coisa pra
não ficar em casa. Consegui um emprego como vendedora de loja, em shopping.
Depois, cheguei a trabalhar até no Cirque du Soleil (esse foi mais bacana, pois
consegui ver algumas apresentações de graça). Nessa época, consegui comprar um
fusca. Ele me deixou a pé na rua algumas vezes, é verdade, mas era até
divertido (fora, claro, a vez que quase pegou fogo com minha mãe e eu dentro).
Consegui, depois, voltar a trabalhar como analista de
sistemas, minha profissão. Já estava desistindo do sonho de ser policial,
quando inusitadamente conheci um rapaz, concurseiro, em uma aula de dança de
salão. Com ele, aprendi a estudar com eficiência, assinei o qcconcursos para
resolver questões (eu não sabia que existia), e resolvi mais de 30 simulados.
Diante da minha situação, ele me fez a proposta mais louca do mundo: largar o
emprego e estudar em período integral nos meses que restavam até a prova. Eu
topei, uma última tentativa de correr atrás daquele sonho, ele me deu suporte
em tudo, nos estudos e até financeiramente. Fiquei de abril de 2014 até
dezembro do mesmo ano (demorou mais que o esperado), só estudando para a prova.
Esse concurseiro veio a se tornar meu namorado e, se aguentarmos a tortura da
distância, meu futuro marido. s2
Chegou o dia da prova. Passadas as 5 longas horas, eu não
tinha a menor ideia se eu tinha ido bem ou não. Lembro-me que na antevéspera de
Natal saiu o gabarito do CESPE, eu fiz 70 pontos no preliminar, 73 no
definitivo. Outra pedra no caminho foi a redação, eu tinha muita dúvida se
tinha conseguido nota suficiente, graças a Deus, passei naquela fase. Sobre as
outras fases, cada uma teve a sua dificuldade. Seja juntar exames, ou o desafio
do psicológico, ou mesmo ter fé que, apesar dos meus 1,57m de altura,
conseguiria saltar ao menos 1,66m no TAF. Tudo isso foi muito difícil, mas nem
tanto, comparado ao curso de formação na ANP.
A ANP, também, não me poupou de sofrimentos. A primeira
corrida foi inesquecível, minha garganta parecia sangrar, tossi, vomitei. Lá
também me contundi, tive diarreia, fui para o hospital, tive muitos hematomas.
Cheguei na ANP sem fazer nenhuma barra, no TAF consegui fazer 5, pontuação
máxima na modalidade. O ápice do desafio, para mim, era passar novamente pelo
salto, no último TAF. Queimei o primeiro salto. Vi, diante dos meus olhos, todo
o esforço de anos prestes a ir pelo ralo. Era como estar à beira da morte, e
minha vida passando em um filme. Algumas colegas, inclusive atletas, já tinham
sido reprovadas no salto naquela semana, eliminadas do concurso às vésperas da
formatura. Meu canga de curso, Vinícius, me deu um chacoalhão, disse pra eu me
concentrar e fazer como a gente tinha treinado. Fui, saltei 1,75m. A turma toda
comemorou. Eu, a menor de todos, consegui.
Depois daquilo, a alegria e comemoração foram muito grandes.
A formatura foi inesquecível. Ter a minha família comemorando comigo aquela
vitória foi a melhor sensação do mundo.
Hoje sou Agente de Polícia Federal, Terceira Classe, lotada
em Epitaciolândia, no Acre (sim, o Acre existe). Ainda tenho muitas
dificuldades para enfrentar, a maior dela é a distância da família. Mas Deus
tem sido maravilhoso comigo, tenho exercitado minha fé em todos os momentos.
Com essa minha história, tudo o que eu queria transmitir, é
que não importa quão pobre você seja, quantas tragédias aconteçam na sua vida,
ou mesmo se estudou a vida toda em escola pública. Se não sabe escrever bem, se
não teve pai, se não tem recursos, ou se você é o mais baixinho e gordinho. Se
quer muito ser policial, astronauta, presidente, seja o que for, você consegue.
Basta deixar as desculpas de lado, traçar um plano e segui-lo com dedicação e
afinco. Não se engane: você terá que passar o vale da sombra e da morte. Mas,
não tema. Deus jamais desiste de nós e dos nossos sonhos.
Ao meu colega, Santos, um grande abraço, quando eu crescer
quero ser como você, um exemplo no DPF.